domingo, 5 de julho de 2009

O mundo das incertezas internacionalistas

Recentemente, publiquei duas enquetes na comunidade de Relações Internacionais da UVV, no orkut. Em uma eu perguntava qual matéria deveria ser retirada da nossa grade curricular; e, na outra, buscava saber o que o aluno de RI da UVV se imaginava fazendo após o fim do curso. Na primeira, a maioria decidiu que “Português” (29%) é, disparada, a matéria mais irrelevante ou impertinente da nossa grade, seguida por “Inglês e Espanhol” (14%), e “Projeto de Monografia” e “Economia Capixaba” – com iguais 11%. Já no que diz respeito às ambições futuras, a maior parte dos alunos pretende seguir carreira diplomática (22%), trabalhar com comércio exterior (14%), continuar no meio acadêmico fazendo mestrado em RI (14%) ou iniciando outra graduação (14%).


Confesso que o resultado da enquete sobre a alteração na grade curricular não me surpreendeu. Embora a Tânia “Talentosa” (vai dizer que você não se lembra da dinâmica de se definir com um adjetivo que se inicie com a mesma letra do seu nome?) seja uma pessoa muito simpática e uma boa profissional, o conteúdo programático dessa matéria não difere daquele das aulas de português do ensino fundamental e médio – conteúdo que, por sinal, não é muito bom e contribui para a perpetuação da condição quase analfabeta da população brasileira, a qual não sabe interpretar textos, como mostram pesquisas feitas pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos e pelo Ibope.


A mesma crítica pode ser feita ao ensino de inglês. Aprendemos tudo aquilo que já vimos desde a 1ª série, com as nossas “tias”: o verbo “to be”. A culpa, novamente, não é da professora Renata, que até tenta incluir vocabulários relacionados às relações internacionais, e sim do desnível entre os alunos. Quanto ao espanhol, cujo aprendizado recentemente se tornou obrigatório nas escolas brasileiras, pesa o fato de que em seis meses de aula na UVV (mesmo que ministradas pelo excelente professor Pablo) ninguém estará apto a negociar, ler ou escrever textos acadêmicos nessa língua. O ideal para aqueles que não sabem esses idiomas seria procurar um curso específico fora da faculdade, no qual poderão aprender sem prejudicar aqueles que já os estudaram.

Em suma, o resultado sobre a grade curricular está muito atrelado ao modo como as matérias são apresentadas. Nesse sentido, pode-se discutir também a importância dos tópicos discutidos em “Economia Capixaba”, que estão muito mais voltados para os estudos da geografia do estado do que para relação íntima da região com o comércio exterior (uma abordagem mais apropriada para o curso). Fazendo uso das palavras do colega Zé Paulo, sobre uma questão de prova que perguntava se a bovinocultura é a atividade mais importante do município de Ecoporanga, “o que raios me importa e qual a verdadeira relevância disso para a grade de relações internacionais”?

Essa mesma pergunta precisaria ser feita a vários outros professores, os quais deveriam se preocupar em relacionar a matéria que estão lecionando com o estudo de relações internacionais. Afinal, a base, as expectativas, e as dificuldades de um estudante desse curso são diferentes de um aluno do curso de biomédicas, direito ou administração. Nós somos apenas tijolos no muro, caros professores, mas somos tijolos diferentes. Gostaríamos que os senhores se dispusessem a preparar suas aulas sabendo em qual curso as estão expondo.



Quanto à segunda enquete, me surpreendi com o resultado. Não esperava que a maioria dos alunos pensasse em seguir carreira diplomática ou no magistério, dada a irrisória participação em projetos como “Nações” ou o desleixo de grande parte dos colegas, que apenas “estudam para passar”. Se o objetivo de quase ¼ dos futuros internacionalistas formados na UVV realmente for esse, é realmente imprescindível uma reformulação na nossa grade curricular, de modo a diversificar os assuntos lecionados – que tal estudarmos um pouco sobre a região da América do Sul ao invés de aprendermos pela milionésima vez a história da política externa norte-americana? - e intensificar o estudo da política externa brasileira.

Durante esse último semestre, portanto, percebi que não estou sozinho no mundo das incertezas internacionalistas. Assim como eu, os meus colegas se afligem com as mesmas dúvidas sobre o futuro no mercado de trabalho e se indignam com as mesmas questões referentes ao nosso curso. É certo que alguns já sabem qual caminho seguirão com o iminente término da graduação em Relações Internacionais, mas muitos continuam sem saber o que fazer a partir do próximo ano. Se você é um destes, bem-vindo ao clube.
ps: agora que eu vi que não comentei sobre "Elaboração de Projetos". Mas, pensando bem, acho que essa dispensa comentários...

5 comentários:

Mário Machado disse...

Enzo,

Obrigado pela visita, realmente a empregabilidade é hot topic, no meu blog, quase todo domingo escrevo para responder alguém com dúvidas, tento alertar aos que entram que o sucesso depende exclusivamente da dedicação pessoal. Bom mas a vida é pra viver né... que será, será...rs.. Por favor volte sempre ao sempre insoluvel qubra-cabeça das coisas internacionais

Enzo Mayer Tessarolo disse...

Olá Mário,

Como você pode ver, essa é uma dúvida comum a todos os graduandos e graduados em relações internacionais..hehe

Abraços,
Enzo

Enzo Mayer Tessarolo disse...

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Como eu sei que alguns que acompanham esse blog não frequentam a comunidade de RI no Orkut, me dei o trabalho de copiar a sequência dessde debate surgido naquele fórum:

-João Henrique
Enzo, muito bom o seu post!

colocou muito bem os pontos...

tens meu voto (Y) 12:04 (2½ horas atrás)


-Zé Paulo "Zuper"
Estranho, a meu ver, que Projeto de Monografia esteja lá no topo da desaprovação... Acho uma disciplina muito relevante. Através dela, fiz praticamente 85% do meu primeiro capítulo, o que foi um adianto do caramba.

Sobre a questão de "que carreira seguir?", essa é realmente a questão top 5 em RI, numa disputa ferrenha com "o que é relações internacionais?", "onde voce trabalha?" e outras mais. No sétimo período percebo que "carreira" em relações internacionais ou é Itamaraty ou é Acadêmica. O resto, seguimos porque somos bons. Só. O cara que trabalha com COMEX, na área de assitencia de imp/exp, p.e., e é formado em RI, é porque é bom, pois o curso de ADM com enfase em COMEX é muito mais relevante pra essa área do que o de RI.

O profissional de RI hoje, quando sai da faculdade, precisa garimpar seu mercado de trabalho. Ele precisa inventar seu próprio emprego, pois caso contrário, será apenas um espectador muito bem informado dos telejornais internacionais.

Vejo isso hoje. Não tem pra onde correr. Graduado em RI ou vai ser Acadêmico, Itamaraty ou pegar a vaga dos outros. Não que isso seja falha pessoal ou má formação no curso. Muitas vezes, o mercado ainda nao tá preparado pra receber um profissional de RI. A multidisciplinaridade existente no curso é tanto uma falha quanto sua maior virtude.

Daí a necessidade de uma especialização stricto sensu ou lactu sensu. A graduação em RI é como uma graduação em ADM, creio eu. Ela por sí só nao é nada para o mercado de trabalho, infelizmente.

Esse deveria ser um papel TAMBEM dos formadores. A universidade deveria promover a profissao, expor a sua importancia e etc. Seria muito mais simples se houvesse uma promoção conjunta entre o corpo dicente e o docente. Exatamente como se faz com outros cursos.

Post do Enzo muito bem apresentado no blog. É bacana ver o forum aqui movimentado, pra variar hehe


- João Henrique
José, concordo contigo...

também não vejo RI relacionado com COMEX... é diplomacia mesmo ou area academica

talvez alguns cargos publicos relevantes..mas ai tem q ter o QI e ser ligado a politicagem...

Eu como funcionario de comex (priviligiado até, por não ficar na mesmice) não uso, ou uso tão pouco q nem percebo, os ensinamentos do tio do "os estados definem seus interesses em termos de poder" ou ainda o Shang Tsung (shun tzu) ou mesmo a Onu em si...isso é tão relevante pra mim quanto estatistica...

Os mais romanticos poderiam até falar que é importante conhecer os teóricos, a galera classica e alguns filosofos...mas na pratica é apenas um plus que a pessoa dessas outras areas (como eu) usaria em programas do tipo "passa ou repassa" ou em boas discurssões nos botecos da vida.

Não sei como são os cursos de comércio exterior pelo brasil a fora...mas acho q ainda sim eu faria RI novamente.

Pela frente certamente eu terei 1 ou 2 pós + MBA + Metrado ...

"...nem só de RI viverá o homem..."

LOL

acabei de ter uma idéia!

Enzo Mayer Tessarolo disse...

é.. acho que grande parte dos alunos não gosta de "Projeto de Monografia" pelo simples fato de o nosso curso ser o único da UVV (de Vitória, talvez do ES e do Brasil) que tem três matérias relacionadas com a produção da monografia.

Eu sei que essa foi a forma encontrada pela coordenação de evitar que os alunos deixem tudo para o último semestre, mas, sinceramente, pelo que eu presenciei, nada mudou muito. Quem não quer fazer o projeto empurra com a barriga, depois muda de tema. Por isso, se o objetivo é evitar a procrastinação essa matéria não serviu para muito coisa.

Agora, como colocou o Zé, "Projeto de Monografia" realmente ajuda aqueles que nunca desenvolveram um projeto antes, pois nos dá a base do que deveria ser uma monografia (algo que muitos orientadores não conseguem fazer em Monografia I). Nesse sentido, a matéria é relevante - embora só exista, devivo a incompetência dos professores e da negligência dos alunos.

Igor Moreno Pessoa disse...

Caro Enzo,

Obrigado pela visita no meu Blog e parabéns pelo seu!
Achei por aqui muitos textos interessantes.
Já adicionei aos meus favoritos!

Abraços