segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Batman, Locke e a questão da identidade.

Escrevo, hoje, sobre duas áreas que me interessam imensamente, o cinema e a filosofia. Utilizando o livro do Cabrera, traço um paralelo entre os ideais empiristas britânicos e os filmes de Batman com relação ao conceito de substancialidade (identidade). Assim, inicialmente (parte I), apresento as principais opiniões sobre essa idéia para depois abordá-las e discuti-las nos filmes (parte II).

Parte I – da filosofia (Locke)

A noção de substancialidade é definida, segundo Cabrera, como a essência de algo, uma noção que distingue o que a coisa é. Nesse sentido, este autor destaca que a substância seria o fundamento último de um objeto e, que, portanto, o separaria de outras coisas, que possuem estruturas diferentes.
Cabrera aponta Locke como o primeiro grande crítico moderno a tratar sobre esse conceito. O filósofo empirista teria ressaltado a dificuldade de se discutir a idéia difusa e abstrata de “substância”, ao afirmar que “tudo o que se pode fazer com uma noção sem sentido empírico é tentar explicar de onde ela pode ter se originado” (CABRERA, 2006, p. 160). O que existiria, então, seriam as idéias sobre a estrutura dos objetos.
A problemática da substancialidade se apresenta ainda mais interessante quando adaptada para seres humanos, pois se percebe que a autoconsciência, que falta nas coisas imateriais, está presente nos homens. Sobre isso, Locke diz que os critérios de identidade pessoal seriam definidos pela consciência que um indivíduo tem de si. “O constante nos seres humanos não é nenhuma ´substância`, mas somente uma operação, a operação de reconhecer a si mesmo na autoconsciência de seus próprios atos” (CABRERA, 2006, p. 161).

Parte II – do cinema (Batman)

O cinema também tratou da questão da identidade pessoal, ainda sobre a lógica da substancialidade em relação aos humanos, ao contar histórias de pessoas que se transformam em vampiros, lobos, moscas etc. Nesse sentido, uma pergunta pode ser feita a partir da ocorrência desses acontecimentos: “essas pessoas que se transformam continuam sendo as mesmas depois de suas transformações?” (CABRERA, p. 162).
Se tentássemos responder essa indagação levando-se em consideração os filmes de Batman, poderíamos chegar à conclusão de que Bruce Wayne e Batman são a mesma pessoa, visto que o Bruce não sofre nenhuma mutação em seu corpo, apenas veste uma roupa e um cinto (que possui tudo que você pensar) para se transformar no “Cavaleiro das Trevas”. Assim, as mutações que Bruce sofre são puramente externas – “não afetam a corporalidade de Wayne, mas somente sua atuação e seu comportamento” (CABRERA, p. 163).
Todavia, essa questão é muito mais complexa, pois o simples fato de Bruce modificar seu comportamento e personalidade, quando transformado em Batman, já seria um indício de que ele é outra pessoa, uma vez que ele se torna irreconhecível para os outros. Ou seja, Bruce deixa de ser um playboy e se comporta “como um herói, que maneja armas ultramodernas, torna-se valente, intrépido, violento e vingativo em seu ódio ao crime na cidade de Gotham. Nesse sentido, poderíamos dizer que ele deixa literalmente de ser Bruce Wayne, relativamente independente da vestimenta que usa” (CABRERA, 2006, p. 163).
Esse critério de reconhecimento por parte dos outros, porém, não é o mesmo proposto por Locke, que defende a autoconsciência como critério definidor da identidade pessoal. Ou seja, para esse filósofo, quando Wayne se transforma em Batman ele tem plena consciência disso e, depois de ter agido como Batman, ele se lembra de ter feito isso. “É a memória autoconsciente que constitui, segundo Locke, a identidade de uma pessoa, o fato de que ela pode reconhecer como seus os atos quer realiza” (CABRERA, p. 164).
Uma última questão, contudo, surge dessa afirmação: o que aconteceria se algumas pessoas encontrassem Batman deitado na rua, após ter sido atingido por um gás alucinante que o fizesse perder a memória e o impedisse de se auto reconhecer? Nesse caso, não poderíamos afirmar com certeza quem essa pessoa é, pois apesar de identificarmos suas vestimentas e seu corpo, esse Batman poderia ser simplesmente um doido vestido de Batman que caiu na rua.
Esse argumento do “louco-no-disfarce” poderia ser utilizado até por Bruce Wayne, caso sua identidade fosse revelada durante sua inconsciência, que poderia preservá-la dizendo que ele gosta de se disfarçar de Batman de vez em quando, mas não é realmente Batman. Sendo assim, Locke parece estar certo quando diz que o verdadeiro critério da identidade é algo que não pode ser socialmente reconhecido, mas apenas conhecido íntima e pessoalmente (a autoconsciência) – e é isso que permite que Bruce mantenha sua identidade dupla.
O cinema, por fim, parece não questionar a filosofia no que diz respeito à identidade pessoal. O filme mais recente de Batman, por exemplo, apresenta várias pessoas que tentam imitar Batman (de certa forma, elas possuem parte da “substância”, das características, de Batman – herói, valente, justiceiro, inteligente, enigmático etc), mas não são ele, de fato, pois a possibilidade de dizer eu sou, segundo Cabrera, não depende somente da posse de um grupo de características inconscientes de si mesmas, mas de um critério mais “psicológico”, de um certo processo mental.

Referências
CABRERA, Julio. O Cinema Pensa: uma introdução à fiilosofia através dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

domingo, 26 de outubro de 2008

Um intervalo reflexivo aos domingos

“Hoje em dia, ouvimos e lemos muito sobre a triste situação dos sem-teto de nossas cidades, sobre suas dificuldade e seu sofrimento. Mas talvez esse sofrimento, por mais deplorável que seja, constitua apenas, em última instância, o sinal de um sofrimento muito mais profundo – do fato de que o homem moderno já não tem um lar adequado, de que ele é, cada vez mais, um estranho em seu próprio mundo. Mesmo que construíssemos um número suficiente de novas habitações para abrigar todas as pessoas sem teto, o verdadeiro sofrimento talvez fosse ainda maior. A essência do desabrigo é o desabrigo da própria essência; reside no fato de que, em nosso mundo desarticulado pela busca frenética de prazeres vazios, não há lar, não há morada apropriada para a dimensão realmente essencial do homem”.

(Jacqueline Rose. Where does the misery come from?, In: RICHARDS, Feldstein, Feminism and Psychoanalysis. Ithaca, Nova York: COrnell University Press, 1989. pg 25-29)

ps= coitada da ABNT, mas estou sem saco.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

E Dá-lhe Marx

Em tempos de crise do capitalismo a família Marx deve estar faturando muito.

Parece que o maior crítico do capitalismo está em alta ao contrário das bolsas de valores espalhadas pelo mundo. Sua obra nesse momento ganha mais vigor e é lida por mais gente.

Segundo a imprensa alemã, a obra de Karl Marx, O Capital, teve um aumento de 300% nas vendas nos últimos meses nas livrarias da Alemanha.

A editora alemã Karl Dietz vendeu em um mês o que costumava vender em um ano, cerca de 200 livros. No ano já foram vendidos 1,5 mil.

Segue AQUI a reportagem.

Obama, McCain e Brasil

Continuando a divulgação de posts interessantes, dessa vez o que me chamou a atenção foi a discussão proposta pelo Pedro Doria a respeito dos dois candidatos a presidente dos Estados Unidos.

Quem é melhor para o Brasil? Obama? McCain?

Eis aqui uma parte:

Ambos os presidentes terão uma boa relação com Brasil, China e Índia. Isto é política de Estado. São países citados imediatamente em qualquer análise a respeito do estado geral do planeta. O Brasil é importante. Globalmente, regionalmente. E, desta lista de três, o Brasil é o mais fácil para os EUA. Está no mesmo hemisfério e jamais houve grandes tensões na relação. A rodada de Doha na OMC mostrou o poder diplomático do país, as tecnologias energéticas são vistas com um quê de inveja, e a produção de alimentos é acachapante.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O caráter psicológico da crise


Não sou nenhum psicólogo, mas acredito poder fazer essa análise:

Muito se tem falado com relação a atual crise. Porém, alguns pontos podem agravá-las, como o efeito psicológico causado na população.

De efeito psicológico já basta o capital especulativo!

Mas o que a mídia evidencia não deixa de causar temor na população.
Assim, em um país, como o Brasil, que tende a sofrer menos com a crise do que os outros países (por diversos motivos que não os cabem discutir aqui), acaba por sofrer um pouco mais do que deveria.
Como sitado anteriormente, o papel fundamental da mídia nesse processo,ou seja, a população ter acesso as informação das decorrências da crise, pode-se esperar uma possível retração do mercado, já que as pessoas são tomadas por um certo medo.
Porém, o fazem sem analisar muito bem a situação financeira e econômica do país, dando foco somente para a questão internacional.
Para tanto, o apoio ao mercado interno é uma garantia de continuidade de crescimento, mesmo com o cenário de crise internacional.
Mas não nos devamos iludir com uma possível redução do efeito da crise. Deve-se consumir com parcimônia e evitar usar do crédito e dos parcelamentos a perder de vista "a la casas Bahia"

Idéias Loucas


Alguma vez você já "viajou" na aula, pensando no que poderia estar fazendo naquele momento?

Aposto que em nenhuma das vezes você tenha pensado nisso!

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Imagem da Semana


"Será que se eu fizer uma careta eles votam em mim?.jpg"


ps= foto tirada do "O Globo"

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

"Entupiu o Sistema Circulatório do Capitalismo"

Sempre que posso deixo links de textos interessantes que encontro por aí na net de grande contribuição para aqueles que querem entender mais sobre determinado assunto.

Desta vez, coloco aqui o link de uma entrevista da respeitada economista Maria da Conceição Tavares falando sobre a crise financeira.

Segundo ela, "A questão central é que o crédito está congelado: entupiu o sistema circulatório do capitalismo. Sem crédito uma economia capitalista não funciona. Agora é torcer para que o entupimento não se transforme em trombose”.

Para mais clique no link: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15281

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Xenofobia e Futebol

Olá,

As recentes manifestações de ódio dos torcedores venezuelanos de futebol para com os brasileiros me inspiraram a tratar, pela primeira vez nesse blog, sobre esse esporte. Essas demonstrações não se restringem à América Latina e podem ser vistas até mesmo em ligas, nas quais o policiamento e a segurança são mais eficazes, como a UEFA – recentemente, fãs do Atlético de Madrid hostilizaram torcedores do Liverpool.

O elemento xenofóbico, que não é novo, parece estar retomando suas forças em Estados constituídos por uma maioria de imigrantes. Para não ficarmos limitados somente aos casos futebolísticos, tomemos como simples exemplo o rigor da nova regulamentação sobre estrangeiros na Europa e nos Eua. Nesse sentido, o que se percebe é que, segundo Hobsbawm (no livro “Globalização, Democracia e Terrorismo”), a aceleração do desenvolvimento do processo de globalização e da mobilidade dos seres humanos, nas últimas décadas, reforçou a longa tradição popular de hostilidade econômica à imigração em massa e de resistência ao que se vê como ameaças à identidade cultural coletiva.

E o futebol internacional representa, de fato, a dialética das relações entre a globalização, a identidade nacional e a xenofobia. Como afirmou Brochand, em seu livro “Géopolitique du Football” (p. 78), “dessa dicotomia entre, por um lado, o ´nacional`, último refúgio das paixões do mundo antigo, e, por outro, o ´transnacional`, trampolim do ultraliberalismo do mundo novo, resulta, para os amantes do futebol, assim como para os meios que gravitam em torno desse esporte, uma verdadeira esquizofrenia, extremamente complexa que ilustra perfeitamente o mundo ambivalente no qual todos nós vivemos”. Esse mundo ambivalente situa-se entre o local (os clubes) e o nacional (com as seleções nacionais, formadas pelos jogadores dos clubes) e, embora antigamente tenham sido complementares, atualmente percebe-se uma mútua incompatibilidade entre esses campos, com o perdão do trocadilho.

Voltando à questão da xenofobia[1], vê-se que o comportamento dos torcedores é ambíguo e permanece dividido entre o “orgulho que sentem pelo superclubes e pelas seleções nacionais e a crescente importância que competidores provenientes de povos há tempo considerados inferiores alcançaram nos seus cenários nacionais” (HOBSBAWM). Essas demonstrações racistas sobre as quais me referi no início desse post são justamente expressões dessas tensões. Embora o caso na Venezuela não represente exatamente a questão da “aversão ao diferente”, nos estádios europeus esse elemento é muito mais presente. Na Alemanha, por exemplo, o primeiro negro a defender a camisa alemã, Gerald Asamoah, diz que já passou por experiências muito humilhantes dentro de campo, quando torcedores jogaram bananas e cuspiram no jogador, embora reconheça não ser mais mal recebido nos jogos.

O racismo e a xenofobia talvez estejam diminuindo dentro dos estádios, mas isso não significa que os torcedores passaram a compreender as diferenças étnicas ou raciais dos jogadores, representa somente que a vigilância está mais eficaz. Asamoah, novamente, diz que ele e outros jogadores negros e estrangeiros continuam enfrentando problemas no dia-a-dia (segundo o DW, Asamoah já foi discriminado numa cafeteira, e o brasileiro Dedê, impedido de entrar numa discoteca). Uma coisa, porém, é certa: quando um jogador “diferente” faz um gol, até mesmo os torcedores racistas e xenofóbicos comemoram.


[1] Mais sobre a lógica das empresas de negócios futebolísticos e seus impactos sobre a identidade nacional e sobre o enfraquecimento de Copas e Ligas que não estão no circuito das superligas internacionais pode ser encontrado em: “As nações e o nacionalismo no novo século”, IN: HOBSBAWM. “Globalização, Democracia e Terrorismo”.


segunda-feira, 13 de outubro de 2008

As Eleições Americanas e suas Contradições

Fico pensando na contradição do eleitor americano de classe média baixa e branco cuja crise econômica o afeta de forma muito direta. Não podemos generalizar e dizer que o eleitor branco e pobre é racista, mas esse perfil de eleitor é fácil de se achar em estados como Virgínia e Ohio, por exemplo. E são justamente nesses estados onde há focos de tensão racial mais elevado.

Todavia, McCain mostra não possuir conhecimentos aprofundados sobre economia, e esse assunto específico é o que gera maior interesse por parte da classe média americana. Obama, por sua vez, mostra mais desenvoltura quando trata dos problemas comuns ao americano de renda média. Tudo bem que sua promessa de cortar impostos para a maioria da população trata-se apenas de uma jogada eleitoreira. Será que sua inexperiênica no cenário da política, proporcionalmente, é maior que o desconhecimento de McCain em matéria de economia? Creio que a experiência de Biden e a inexperiênica política de Palin deixam uma balança mais equilibrada, só que em relação à economia, Palin não ajuda muito na campanha de seu partido.

A própria tradição republicana de adotar medidas pró-livre comércio em um cenário de crise não ajuda muito a campanha do partido republicano. Enquanto que os democratas são mais protecionistas.

O tempo para McCain está se esgotando, as eleições estão marcadas para 4 de novembro sendo que haverá apenas mais um debate, e Obama lidera as pesquisas com 7 pontos de vantagem. Lembrando que no sistema eleitoral americano, um candidato para chegar à Casa Branca precisa de 270 votos no Colégio Eleitoral dos 538 votos estão divididos entre 50 estados mais o distrito de Columbia.

Outro fato interessante dessa eleição são os gastos exorbitantes de seus canddatos. McCain arrecadou 230 milhões de dólares e gastou 194 milhões. Obama recebeu 454 milhões de dólares e gastou 337 milhões. Essa disputa é considerada a mais cara da história dos Estados Unidos.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Brasil e a Crise

Que o Brasil sofrerá com a crise financeira mundial não há dúvidas. Tanto que o governo publicou uma Medida Provisória (MP) nesta terça-feira, cujo objetivo é ampliar a atuação do Banco Central e socorrer instituições financeiras que estão sendo afetadas pela crise. Como farão isso? A MP prevê uma injeção de recursos no mercado de créditos. Sabe-se que o Brasil já injetou 75 bilhões de reais na economia. Inclusive no nosso Estado do Espírito Santo o governador Paulo Hartung já prevê corte de gastos no orçamento de 2009. É provável que o setor de infra-estrutura seja o único à sofrer cortes.

Porém fico imaginando uma crise de determinadas proporções como essa aparenta ser há uns dez anos. O Brasil durante o governo de Fernando Henrique Cardoso limitava-se a comercializar com Estadors Unidos e Europa, e atualmente temos de reconhecer o mérito do governo Lula em diversificar os parceiros comerciais do Brasil não olhando apenas para o norte. Ainda assim, há uma concentração no comércio com Estados Unidos, Argentina, UE e China. Esses países representam cerca de 57% da pauta de exportação brasileira, sendo Estados Unidos o maior parceiro comercial do Brasil seguido pela China que recentemente ultrapassou a Argentina.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

sábado, 4 de outubro de 2008

Afinal, somos todos liberais?

Proponho uma reflexão teórica nesse post em referência ao recente pacote aprovado pela câmara dos Estados Unidos.

O quero discutir é essa idéia da não intervenção do Estado na economia, de que ela por si só consegue se auto-regular e sua relação com o liberalismo político. Enfim, o que as nossas liberdades individuais tem a ver com o "Estado Mínimo"? Será que o liberalismo político e liberalismo econômico são autônomos? São diferentes um do outro?

Para alguns pensadores, a liberdade de mercado é apenas mais uma das liberdades propostas por um liberalismo unificado, sem distinções. Entretanto, é necessério evidenciar que o problema abordado pela ótica econômica é diferente da abordagem da ótica política. Enquanto que o liberalismo político discute a relação Indivíduo/Estado, o liberalismo econômico analisa a relação Mercado/Estado.

Ambos tem em comum a visão do Estado não-intervencionista, ou seja, sua interferência na vida pessoal, econômica deve ser a menor possível.

Pertencemos a uma sociedade que exalta os nossos direitos e liberdades aos quatro cantos. Ao defendermos a democracia e nossas liberdades individuais tornamo-nos convenientes aos fundamentos do livre-mercado? Acredito que não. Nenhuma ideologia política prima pela perfeição. É necessário admitirmos. Todas possuem suas limitações na tentativa de explicar determinada realidade. A tradição do pensamento liberal não foge à regra. Na prática o liberalismo não se apresenta como alternativa de combate às injustiças sociais e agora prova de uma vez que o mercado não consegue se auto-regular sem interferência estatal.

Cá entre nós, o que será que pensam os discípulos do Consenso de Washington a respeito da crise americana e a tentativa do governo de contorná-la?

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

A Campanha do pânico financeiro e suas fraquezas

A quantidade de notícias sobre a “atual” crise financeira norte-americana nos leva a refletir sobre uma possível campanha de desinformação, baseada no medo do consumidor de que seu poder de compra e capacidade de contrair crédito diminua ou até mesmo se extinga, levando-se em consideração a falência de bancos.

Essa campanha iniciada por Bush (que no dia seguinte ao encontro na ONU fez um discurso que tratou somente da crise e defendeu o pacote de ajuda bilionário como forma de salvar o país de uma “recessão longa e dolorosa”) tem repercutido na mídia internacional com o uso de manchetes apocalípticas (“The World As We Know It Is Going Down”, no Der Spiegel, só para exemplificar) que, no mínimo, influenciam o leitor a concordar com a visão do presidente norte-americano. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Henry Paulson – secretário do Tesouro – chegou a se ajoelhar diante da presidente da Câmara para que a mesma não inviabilizasse o acordo prospoto, segundo a última Veja de setembro.

O maior defeito dessa campanha, porém, reside no fato de que a ajuda aos bancos deve partir do consenso popular e a popularidade de Bush é ridiculamente baixa, desde o início desse ano (beirando os 30%). Nesse sentido, sua capacidade de coagir os ianques a aceitar um projeto notadamente estadista é muito baixa. Aliás, aí está o outro problema desse pacote de ajuda: sua característica contrária ao livre-mercado. O que aconteceu com a auto-regulamentação dos mercados? Se alguns bancos agiram de forma errada concedendo empréstimos a quem não deveriam (os pinguços desempregados daquela “simples analogia” que já postei), que essas empresas sofram agora as conseqüências. Afinal, os bancos são apenas uma forma criada pelo mercado para facilitar empréstimos e o fim dessas entidades financeiras significa o surgimento de outras estruturas. Não é a lei da sobrevivência a égide do funcionamento do capitalismo?

A rejeição da proposta do governo, incentivada pelos próprios republicanos, demonstra a fraca liderança de Bush em seus últimos dias como presidente. Essa tentativa de ajudar os bancos parece ter sido um ensaio desesperado de sair do cargo com algum prestígio, como o presidente que salvou a Bolsa americana e solucionou crise financeira (o que esse pacote, aliás, não faria).