quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Suruba linguística: português, uma língua bastarda


Essa discussão toda sobre as novas leis ortográficas do português despertou em mim um interesse súbito em conhecer melhor as origens da nossa língua. Pesquisando e ouvindo comentários de especialistas cheguei a duas conclusões: a primeira, as línguas são como pessoas. Elas têm pai, mãe, avós, irmãos; crescem, adoecem e um dia morrem, deixando descendentes. A segunda, correlacionada com a primeira, é que o português não é uma língua igual às outras.

Ao contrário das demais, que geralmente só tem um pai e uma mãe, o português tem uma mãe e vários pais. Ou seja, o idioma que falamos é um filho bastardo do latim (que, aliás, “gostava da coisa”, já que teve nove filhos, entre eles, o italiano, o espanhol e o francês) com outras línguas. Ainda na Antiguidade, várias “fusões” ocorreram. Primeiro, entre os celtas e os iberos, depois, entre esses povos e os fenícios, que invadiram a região da Península Ibérica e os obrigaram a falar o fenício, formando o “celta-ibero-fenício” (entre os séculos X e I a.C.). Quando os gregos e os romanos chegaram, por volta de I a.C, nossa língua materna não pensou duas vezes e se fundiu novamente (atualmente, por isso, temos cerca de 2 mil palavras em grego no nosso idioma).

Com a queda do Império Romano no Ocidente, os germanos aproveitaram o momento de fraqueza imperial para reivindicar um lugar na suruba. Por sinal, a influência que a civilização romanizada e cristã lusitana sofreu dos povos bárbaros germânicos é percebida na nossa língua até hoje, visto que quase 2 mil palavras portuguesas derivam do alemão. A última e uma das mais duradouras e significantes penetrações foi realizada pelos árabes, os quais permaneceram 400 anos na Lusitânia – cerca de 30 mil vocábulos portugueses decorrem hoje do árabe (a maioria das palavras iniciadas em “al”, sem contar algumas expressões, como “Oxalá”, que significa “queira deus” ). Em Portugal, portanto, a mistura lingüística terminou no século XV, quando o Rei Dom Manoel promulgou uma lei proibindo a entrada de qualquer outra língua no país.

No Brasil, porém, a língua portuguesa continuou se fundindo com outras. Durante o período colonial, sofreu influência das línguas indígenas locais (hoje, a maioria dos nomes de locais e de animais derivam delas) e das línguas africanas - temos 12 mil termos africanos atualmente em nossa língua, reflexo dos 300 anos de escravidão, quando havia 260 mil brancos falantes do português e 3 milhões de negros falando idiomas africanos, de acordo com Gilberto Freyre -. Além desses idiomas, podem-se destacar também o holandês e o espanhol como pais da língua portuguesa na época de colônia.

Como você deve ter imaginado, essas fusões não foram suficientes para saciar nossa língua mãe. Nos séculos XIX e XX, ainda se uniram ao nosso idioma o italiano (5000 palavras), o japonês e, por fim, as línguas predominantes do século passado (francês e inglês), as quais conseguiram fascinar e domar também o português, que não hesitou em empregar termos como abajur, sutiã, piquenique, boite, bar, folder, banner, outdoor... Ora, o português pode até ser um filho bastardo (e promíscuo), mas, pelo menos, isso nos tornou (sem sabermos) poliglotas.

6 comentários:

Anônimo disse...

Legal, Enzo. Interessante e engraçado seu post. Por isso que portugues é tão difícil então... com tantas línguas misturadas..

Valeu,
Leo.

Anônimo disse...

Enzo, mto bom o texto.
Parabens..sua aulas estao sendo mto proveitosas...
Mari

Rodrigo Cerqueira disse...

Enzo, realmente o texto ficou muito bom. Aliás, de onde vem a palavra "suruba"? Imagino que deva ser africana ou japonesa. Se bem que a suruba africana deve ser bem diferente da japonesa, pelo menos no tamanho. (hehehe, não acredito que escrevi isso, mas não podia perder a piada)

Você só esqueceu dos mais recentes penetras dessa festa, o informatiquês e o telemarketês. Derivam daí as já consagradas "becapear", "logar", "deletar"; as violências lingüísticas como "printar" e "me addedar"; e a irritante "vou estar fazendo/dizendo/enviando/ligando...."
Grande abraço

Enzo Mayer Tessarolo disse...

Saudações Professor Rodrigo,

Primeiramente, agradeço o comentário. De fato, algumas expressões derivadas do mundo da informática se espalham tão rapidamente que chega a ser espantoso. "Downlodar" e "addedar" são as mais repugnantes, mas nada me irrita mais do que o gerundismo espalhado pelas operadoras de telemarketing.

Abraços

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Oi Mari,
Espero que você apareça mais por aqui :P

Bjos

Unknown disse...

So uma coisa. Nessa reforma nova ai "saíram" vai virar "sairam"?? porque "idéia" vai virar "ideia" (uma mudanca meio idiota, pq qnd se fala tem uma diferenca desgracada)

Enzo Mayer Tessarolo disse...

Bruno,

A alteração é só na ortografia, não na língua. Então, na verdade, você vai continuar falando "idéia" mesmo quando ler "ideia".

Quanto ao saíram... boa pergunta! eheh. Mas, falando sério, o acento continua sim, pois acentua-se o "i" e o "u" quando forem a segunda vogal em sílaba tônica E estiverem sozinhos OU seguidos de "s". Ou seja, se separarmos as sílabas (sa-í-ram) veremos que o "i" é a segunda vogal e está sozinho. É a mesma regra de "saúde" e "viúva", basicamente.

Valeu!

obs: se a vogal estiver sozinha E repetida Ou seguida de "nh" ela não é acentuada. Exemplos: xiita, rainha

obsII: a regra que modificou a grafia da palavra "ideia" é essa:
acentuam-se as monossílabas tônicas e as oxítonas com ditongos abertos (ói, éi, ói), MAS NÃO SE ACENTUAM AS PAROXÍTONAS (ideia, colmeia, jiboia). Na verdade, essas palavras que eu dei de exemplo nucna deveriam ter sido acentuadas, já que paroxítonas terminadas em "a/as" não são acentuadas (ex: cadeira).

obsIII: eu acho.