terça-feira, 14 de outubro de 2008

Xenofobia e Futebol

Olá,

As recentes manifestações de ódio dos torcedores venezuelanos de futebol para com os brasileiros me inspiraram a tratar, pela primeira vez nesse blog, sobre esse esporte. Essas demonstrações não se restringem à América Latina e podem ser vistas até mesmo em ligas, nas quais o policiamento e a segurança são mais eficazes, como a UEFA – recentemente, fãs do Atlético de Madrid hostilizaram torcedores do Liverpool.

O elemento xenofóbico, que não é novo, parece estar retomando suas forças em Estados constituídos por uma maioria de imigrantes. Para não ficarmos limitados somente aos casos futebolísticos, tomemos como simples exemplo o rigor da nova regulamentação sobre estrangeiros na Europa e nos Eua. Nesse sentido, o que se percebe é que, segundo Hobsbawm (no livro “Globalização, Democracia e Terrorismo”), a aceleração do desenvolvimento do processo de globalização e da mobilidade dos seres humanos, nas últimas décadas, reforçou a longa tradição popular de hostilidade econômica à imigração em massa e de resistência ao que se vê como ameaças à identidade cultural coletiva.

E o futebol internacional representa, de fato, a dialética das relações entre a globalização, a identidade nacional e a xenofobia. Como afirmou Brochand, em seu livro “Géopolitique du Football” (p. 78), “dessa dicotomia entre, por um lado, o ´nacional`, último refúgio das paixões do mundo antigo, e, por outro, o ´transnacional`, trampolim do ultraliberalismo do mundo novo, resulta, para os amantes do futebol, assim como para os meios que gravitam em torno desse esporte, uma verdadeira esquizofrenia, extremamente complexa que ilustra perfeitamente o mundo ambivalente no qual todos nós vivemos”. Esse mundo ambivalente situa-se entre o local (os clubes) e o nacional (com as seleções nacionais, formadas pelos jogadores dos clubes) e, embora antigamente tenham sido complementares, atualmente percebe-se uma mútua incompatibilidade entre esses campos, com o perdão do trocadilho.

Voltando à questão da xenofobia[1], vê-se que o comportamento dos torcedores é ambíguo e permanece dividido entre o “orgulho que sentem pelo superclubes e pelas seleções nacionais e a crescente importância que competidores provenientes de povos há tempo considerados inferiores alcançaram nos seus cenários nacionais” (HOBSBAWM). Essas demonstrações racistas sobre as quais me referi no início desse post são justamente expressões dessas tensões. Embora o caso na Venezuela não represente exatamente a questão da “aversão ao diferente”, nos estádios europeus esse elemento é muito mais presente. Na Alemanha, por exemplo, o primeiro negro a defender a camisa alemã, Gerald Asamoah, diz que já passou por experiências muito humilhantes dentro de campo, quando torcedores jogaram bananas e cuspiram no jogador, embora reconheça não ser mais mal recebido nos jogos.

O racismo e a xenofobia talvez estejam diminuindo dentro dos estádios, mas isso não significa que os torcedores passaram a compreender as diferenças étnicas ou raciais dos jogadores, representa somente que a vigilância está mais eficaz. Asamoah, novamente, diz que ele e outros jogadores negros e estrangeiros continuam enfrentando problemas no dia-a-dia (segundo o DW, Asamoah já foi discriminado numa cafeteira, e o brasileiro Dedê, impedido de entrar numa discoteca). Uma coisa, porém, é certa: quando um jogador “diferente” faz um gol, até mesmo os torcedores racistas e xenofóbicos comemoram.


[1] Mais sobre a lógica das empresas de negócios futebolísticos e seus impactos sobre a identidade nacional e sobre o enfraquecimento de Copas e Ligas que não estão no circuito das superligas internacionais pode ser encontrado em: “As nações e o nacionalismo no novo século”, IN: HOBSBAWM. “Globalização, Democracia e Terrorismo”.


2 comentários:

Bernardo R. Murillo disse...

Apesar da campanha da Fifa de "say no to racism", ainda podemos ver em alguns clubes, como é o caso do Zenit de São Petersburgo, da Rússia uma grande intolerância do presidente do clube em não contar com sequer um jogador negro na equipe por crer na superioridade dos brancos.

Por fim gostei da sua iniciativa em tratar do futebol no blog. Um esporte de tamanha importância cultural no mundo deveria ser mais vezes tematizado nessas bandas.

Enzo Mayer Tessarolo disse...

valeu!

não sabia dessa "intolerância" do presidente do Zenit. Realmente, mais um exemplo de racismo no futebol...