segunda-feira, 8 de março de 2010

Estado, sociedade e catástrofes: os terremotos no Chile e no Haiti.




O terremoto que atingiu o Chile foi um dos maiores registrados na história mundial, marcou um tremor de 8.8 graus na escala Richter, foi cerca de 500 vezes mais potente que aquele que devastou o Haiti e conseguiu até mesmo alterar o eixo de rotação da Terra. Mas, ao contrário do que ocorreu no país caribenho, onde praticamente duzentas mil pessoas morreram, o número de falecidos na nação andina não chegou à unidade dos milhares. Como explicar essa discrepância?

No caso do Chile, tal diferença na capacidade de conter o impacto dos terremotos na vida dos cidadãos é explicada pela eficiência histórica dos governos democráticos chilenos no que diz respeito à regulação da construção civil; pela eficácia da ação civil e da polícia no socorro às vítimas; e pela incisiva atuação das Forças Armadas em atenuar o caos, instalando bases em lugares estratégicos e tentando evitar roubos e tumultos nas cidades afetadas pela catástrofe.

Do lado haitiano, o alto número de mortos é explicado por fatores sócio-políticos ligados à pobreza histórica. O Haiti é habitado por uma população carente de ensino básico desde a Revolução Haitiana, a qual afugentou os cidadãos mais instruídos (hoje, cerca de metade da população é analfabeta); e sofre com as dívidas externas do século XX contraídas para pagar as indenizações da guerra com a ex-metrópole colonial, a França. Além disso, mesmo após a Revolução, o poder se manteve nas mãos de uma reduzida elite de proprietários de terra, que na era colonial contribuiu para o aumento da dependência econômica haitiana na produção de açúcar.

Na análise de Antonio Jorge Ramalho de Rocha, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), o Estado haitiano não têm conseguido organizar a vida social de uma maneira estável e sóbria, pois não há instituições políticas na trajetória histórica dele, apenas sucessão de governos.

Como conseqüência, a qualidade da infraestrutura haitiana é péssima, o que dificultou o trabalho da defesa civil e o recebimento de ajuda humanitária após a catástrofe; as construções civis são frágeis (grande parte das casas é feita de madeira); e na capital 50% da população é composta por crianças, as quais são, obviamente, mais fracas fisicamente. Sem contar que o Haiti não tem Corpo de Bombeiros e o exército não é profissional.

Quanto aos impactos econômicos, Antonio de Rocha afirma que a economia do Haiti já era muito fraca e dependente de ajuda externa antes do terremoto (cerca de 75% do PIB provinha de remessas de haitianos do exterior), devido à imagem de que o país é perigoso (a história do Haiti é marcada por sucessivas ditaduras). Agora, com as cidades devastadas, é preciso elaborar um plano entre governo haitiano e comunidade internacional que se preocupe em interromper o círculo vicioso presente no país: tem muita pobreza, não há investimento...

No que diz respeito ao Chile, segundo dados do “The Economist”, a recuperação da infraestrutura destruída está estimada em cerca de 20% do PIB. Levando-se em consideração que o contexto internacional é de retração na economia, e que a exportação de commodities chilenas diminuiu 1% em 2009, essa não é uma notícia muito animadora. Por outro lado, os preços mundiais do cobre, principal produto chileno, já aumentaram em decorrência da expectativa de diminuição na oferta desse insumo; e a mineração, uma das principais fontes de renda chilena, sobreviveu ao terremoto.

As diferentes histórias políticas e as desiguais capacidades de intervenção estatal na sociedade mostraram-se determinantes para o sucesso chileno e para o fracasso haitiano na prevenção dos efeitos causados pelos terremotos. Com a força estatal, o governo chileno pôde agir eficazmente nesse momento de exceção; já no Haiti, onde não há instituições políticas sólidas, o governo teve que esperar pela ajuda humanitária internacional para conter o impacto do desastre em sua sociedade.


Nenhum comentário: