quarta-feira, 10 de março de 2010

Reformas da Administração Pública Brasileira: avanços e retrocessos




A reformulação do aparelho estatal é um tema constante nos debates políticos nacionais e, em pouco tempo, estará presente na plataforma dos Presidentes da República. Em busca da compreensão do funcionamento atual da Administração Pública e das disfunções do nosso Estado, este artigo realiza um breve retrospecto analítico das reformas administrativas brasileiras (1937, 1967, 1995), levando em consideração o contexto histórico no qual ocorreram.

Inicialmente, cabe ressaltar que foi no início do século XIX, com a vinda da família real portuguesa ao Brasil, que se criaram as condições para o surgimento do nosso espaço público, na medida em que a transferência da Corte favoreceu a transformação de uma constelação caótica de organismos superpostos em um aparelho de Estado.

Enquanto na era colonial, como constata Caio Prado Júnior (1979), a Administração Pública brasileira caracterizava-se por atribuições que não obedeciam a princípios uniformes de divisão de trabalho e hierarquia, fazendo surgir funções e competências que já pertenciam a outros servidores; no período em que a Corte esteve aqui o governo criou uma série de instituições e inovações jurídico-administrativas que tiveram grande impacto no cotidiano da antiga colônia.

Como resultado do processo histórico que se desenrolou do século XIX até a Revolução de 1930, no qual a centralização do poder era contrabalanceada pelo controle dos governadores no âmbito estatal, a cultura política brasileira ficou definida por traços patrimonialistas e clientelistas , que tolheram o desenvolvimento da democracia no Brasil – como identificou o estudo, por exemplo, de José Murillo de Carvalho (2002).

O primeiro esforço no sentido de superar a característica patrimonialista do Estado brasileiro ocorreu na Era Vargas, quando a primeira reforma administrativa ocorreu no Brasil. Embora instituída em um período ditatorial (1937-1945), tratou-se de uma tentativa ambiciosa de burocratizar a Administração Pública, introduzindo no aparelho estatal imperativos de impessoalidade, hierarquia, sistema de mérito, e a separação entre o público e o privado. A reforma, com forte inspiração weberiana, prestigiava a racionalidade e a eficiência, visando impulsionar o modelo de crescimento baseado na industrialização via substituição de importações.

Se, por um lado, o Estado Novo de Vargas fechou o Congresso Nacional e as assembléias legislativas, suspendeu garantias constitucionais, centralizou recursos, perseguiu adversários políticos e outorgou uma nova Constituição; por outro, estimulou o crescimento da indústria nacional e promoveu a racionalização burocrática do serviço público, revisando o modelo de administração de pessoal, de material e do orçamento.

Entre os maiores exemplos de suas medidas reformistas, está a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP), organizado com a missão de definir e executar a política para o pessoal civil. É a partir desse momento que a admissão mediante concurso público e a capacitação técnica do funcionalismo entram em vigor, assim como a racionalização de métodos na elaboração do orçamento da União.

Segundo Marcelino (2003), doutor em administração pela USP, o Dasp obteve relativo êxito na tentativa de universalizar o sistema do mérito no Brasil até 1945, ano do fim do Estado Novo, quando foram nomeados os primeiros servidores civis sem concurso público para cargos de vários organismos públicos. Findou-se, dessa forma, o impulso reformista da década de 30.

Somente nos anos 60 que um novo ciclo reformista se reiniciou, influenciado por estudos realizados no período de governo de JK. Formulado novamente por um governo autocrático, a essência do projeto de reforma administrativa de 1967 estava na defesa da expansão da intervenção do Estado na vida econômica e social. Acima de tudo, essa reforma buscava modernizar o aparelho do Estado e torná-lo mais eficiente, prescrevendo princípios de planejamento, coordenação e descentralização para a administração federal.

Entre as principais medidas instituídas pelo Decreto-Lei nº 200/1967, que estabelecia os princípios norteadores dessa reforma administrativa, estão a substituição das atividades de funcionários estatutários por celetistas e a criação de entidades da administração descentralizada (fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e autarquias) para a realização da intervenção econômica do Estado.

Porém, de acordo com Marcelino (2003) o ímpeto modernizante e a tentativa de dar maior agilidade e flexibilidade à atuação da Administração acabaram por multiplicar a administração indireta, provocando um efeito dicotômico ainda hoje sentido entre Estado tecnocrático e moderno (representado pelas entidades da administração descentralizada) e Estado burocrático e defasado (o Estado da administração direta).

Embora entre 1979 e 1982 outros importantes avanços tenham ocorrido na Administração Pública em decorrência de programas instituídos pelo Poder Executivo, os quais buscavam a desburocratização e a desestatização, o governo civil de 1985 ainda teve de enfrentar a excessiva centralização do aparelho estatal – uma herança dos governos autoritários na política nacional.

Outro grande desafio a ser superado pelos novos governos democráticos estava ligado à imagem negativa do serviço público como fonte geradora de privilégios e ineficácia, em função de anos de reprodução de práticas patrimonialistas e fisiológicas, durante os quais 100 mil empregados ingressaram no serviço público sem concurso. A solução para esse desafio, porém está na segunda parte deste artigo, que pode ser encontrada aqui.

Referências

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: um longo caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

MARCELINO, Gileno Fernandes. Em busca da flexibilidade do Estado: o desafio das reformas planejadas no Brasil. Revista da Administração Pública, v. 37, n. 3, p 641-659, 2003.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Braziliense, 1979.


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